APRESENTAÇÃO
O presente relatório enquadra-se no projeto “BABEN - BALANCE BENCHMARK: Novas ferramentas tecnológicas para a avaliação e Treino do controlo postural e sua validação com sistemas “gold standard” em laboratório de biomecânica”, um projeto que tem por objetivos maiores:
1. Projeto 1 – Desenvolvimento de um sistema de avaliação e treino do controlo postural;
2. Projeto 2 – Validar o funcionamento do sistema desenvolvido no “Projeto 1”, assim como das suas funções de avaliação e treino, em comparação com sistemas “gold standard”.
Globalmente o projeto tem por objetivo último disponibilizar um sistema válido e fiável, de fácil operacionalização, elevada portabilidade e custos controlados, que permita uma mais democratizada e alargada avaliação e treino da capacidade de equilibração e regulação postural em pessoas idosas, minimizando os riscos de queda e as respetivas repercussões na morbilidade e nos custos de saúde. Pretende-se, todavia, que o sistema possa servir para outras populações, saudáveis ou não, em quem seja recomendável avaliar e treinar esta competência motora e outras que lhe estejam associadas.
O novo sistema em desenvolvimento e avaliação, desenvolvido por TECNALIA, designa-se por EQUIMETRIX e incorpora soluções inovadoras que lhe conferem elevada portabilidade e potencial consistência com os sistemas considerados de referência em Biomecânica laboratorial.
O sistema EQUIMETRIX escora-se na estimativa do Centro de Massa (CM) do sujeito através de um ponto anatómico “fixo”, baseado em imagem, e em assumir a sua projeção vertical como representação válida do Centro de Pressão (CP) – ponto de aplicação da força resultante de reação do solo ao apoio – maioritariamente em posição ortostática bípede. O CP deverá, então, manter-se dentro da base de sustentação, definida pela área entre limites do apoio, a qual é medida através de um tapete de contacto e a estrutura da sua migração ser estudada numa perspetiva estabilométrica, estatoquinesigráfica e de afloramento e definição dos limites de estabilidade.
A validação em laboratório de Biomecânica far-se-á através da comparação dos resultados proporcionados pelo sistema EQUIMETRIX e pelos sistemas considerados de referência para a avaliação da capacidade de equilibração e de regulação postural, nomeadamente a estabilometria por plataforma de forças generalista (recorrendo à avaliação e processamento dos dados referentes à migração do CP no plano de referência do solo, nomeadamente no que respeita a área de migração, amplitude e velocidade de migração e velocidade de rambling e trembling). Serão também comparados os resultados obtidos com os proporcionados por um dos sistemas dedicados disponíveis no mercado de dispositivos médicos e biomecânicos: o BIODEX BALANCE SYSTEM.
Na medida em que o EQUIMETRIX se baseia na estimativa da cinemática específica do CM – que não constitui critério maior na avaliação da equilibração e regulação postural, ao invés da do CP –, será complementarmente validada esta assunção seminal. Para o efeito os dados proporcionados serão comparados com a projeção vertical do CM determinado por MoCap opto-eletrónica de luz infravermelha retro refletida (Qualisys System, Suécia) com 12 câmaras, recorrendo-se à modelação cinemétrica de corpo todo com o Modelo IOR de marcadores e ulterior reconstrução em V3D (C-Motion, USA), definindo os diferentes segmentos com 6 graus de liberdade. Esta abordagem poderá vir a ser reforçada com comparação concorrente com um sistema inercial de modelação biomecânica de corpo todo (XSENS, The Netherlands).
Uma vez que as ferramentas biomecânicas referidas no parágrafo anterior não são comummente utilizadas como instrumentação de referência na avaliação do equilíbrio, não constituirão objeto de análise no presente relatório, apesar de se prever a sua inclusão na “versão beta”.
A capacidade do dispositivo EQUIMETRIX para potenciar o treino das capacidades neuromotoras em causa será avaliada por pré e pós-teste, respetivamente antecedente e subsequente a intervenção de treino propriocetivo, realizados em todos os dispositivos referidos.
Tratando-se de procedimentos, métodos e variáveis que há muito vêm sendo desenvolvidos, implementados e selecionados, o volume de publicações científicas dedicado é muito apreciável. Todavia, a convergência no que concerne às variáveis relevantes parece ser muito elevada. Foi por esse motivo que centrámos esta revisão da literatura nessas variáveis e domínios de avaliação, recorrendo preferencialmente à literatura mais referenciada. Não considerámos dispositivos dedicados concorrentes.
Do total de mais de novecentos textos em análise, esperamos vir a concretizar uma “versão beta” do estado da arte, extraindo em “meta-análise” valores de referência e de corte que suportem uma análise crítica dos registos obtidos nos grupos amostrais considerados no processo de validação.
1. INTRODUÇÃO
A capacidade de equilibração é uma condição necessária para o controlo postural, seja ele estático ou dinâmico, e é considerado um elemento essencial nas atividades diárias e desportivas (Almeida et al., 2016; Greve et al., 2013; Dawson et al., 2018). Para a manutenção do controlo postural é necessário manter a projeção vertical do Centro de Massa (CM) do corpo dentro da respetiva base de sustentação (A base de sustentação define-se como s superfície no plano de referência do solo limitada pelos extremos dos apoios do sujeito) durante a postura ereta (Duarte e Zatsiorsky, 1999), estando envolvidos nessa regulação os sistemas nervoso, sensorial, vestibular e locomotor. Estes sistemas são responsáveis pela transmissão de informações ao córtex somatossensorial, interagindo com o sistema neuromuscular e providenciando uma resposta motora adequada (Delahunt et al., 2013; Almeida et al., 2016).
A projeção vertical do CM é efetivamente decisiva neste contexto, na medida em que, no respeito pelo princípio da energia mínima, os sistemas responsáveis pela regulação postural e pela equilibração procurarão fazê-la coincidir com o Centro de Pressão (CP), definido como o ponto de aplicação da resultante da força de reação do solo ao apoio.
Normalmente e na maioria das situações, a vertical que passa pelo CM e a que passa pelo CP são quase coincidentes. Dada a relação do CP com o CM de um individuo, a regulação da sua posição é determinada, em primeira instância, pela estabilidade do CM (Duarte et al., 2000). Esta depende do controlo postural relacionado com a posição dos segmentos corporais, bem como das forças que circunstancialmente atuam sobre o corpo, sem que ocorra a sobrecarga ou destabilização dos sistemas sensoriais. Portanto, o processo de regulação postural e equilíbrio é desencadeado pela integração do input sensorial e do processo motor (Duarte e Zatsiorsky, 2002), ou seja, a estratégia de controlo postural é dependente da tarefa e do ambiente (Duarte e Zatsiorsky, 2002).
Dada a complexidade dos sistemas envolvidos na regulação postural e equilíbrio, é necessário compreender quais os métodos atualmente utilizados para medir com precisão e confiança os processos e as variáveis envolvidas nesta regulação. Para tal, foi iniciada uma revisão sistemática da literatura com o intuito de recolher as melhores práticas reportadas pela comunidade cientifica, ao mesmo tempo identificando as variáveis, bem como os métodos, processos e equipamentos utilizados para este tipo de avaliação.
2. METODOLOGIA
A revisão sistemática foi realizada por um dos investigadores nas principais bases de dados de publicações cientificas: PubMed, Web of Science, SCOPUS. A chave de pesquisa utilizada restringiu-se à pesquisa de títulos, publicados antes de 2019, com a seguinte estrutura: ("Postural Control" OR "Balance" OR "Stabilometry" OR "Stabilogram" OR "Statokinesiogram") AND ("Device" OR "System" OR "Method" OR "Assessment" OR "Evaluation"). A análise dos resultados foi realizada de acordo com as diretrizes estabelecidas pelo procedimento PRISMA: Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta- Analysis (Moher et al. 2009, 2015). Após a remoção de duplicados, foram ainda excluídos todos os artigos que não cumprissem os critérios de inclusão (CI): CI1 - artigos originais e CI2 - artigos escritos em inglês. Em seguida foi realizado, de forma independente por dois investigadores, um processo de triagem dos títulos de forma a identificar se estes se encontravam no âmbito deste trabalho. Foram excluídos artigos que cumprissem os critérios de rejeição: R1 - trabalho em outros assuntos que não o equilíbrio e o controlo postural do ponto de vista biomecânico, ou que se relacionem com princípios físicos e/ou químicos de equilíbrio e R2 - estudos focados em animais ou robôs.
Em casos de não concordância entre os elementos que realizaram esta triagem, um terceiro investigador foi recrutado e a sua escolha usada para determinar a inclusão ou exclusão do artigo. A sequência destes procedimentos e os resultados obtidos em cada etapa encontra-se descrito na Figura 1.
3. RESULTADOS
Não tendo sido estabelecido uma data de inicio para a pesquisa, o número de resultados obtidos foi consideravelmente elevado (n=17.118). Destes, apenas 6.351 registos se encontravam duplicados devido à pesquisa em múltiplas bases de dados.
Deste conjunto de documentos, identificaram-se 1.763 redigidos noutra língua que não o inglês, sendo que as línguas chinesa, alemã e russa foram aquelas com maior frequência nos resultados. De entre os 9.004 documentos redigidos em inglês, foram ainda removidos aqueles não publicados como artigos originais em revista. Tal resultou na exclusão de 3.237 documentos, nos quais se incluíram publicações de diversos tipos em conferências ou encontros científicos (n=2.584), revisões (n=258), livros ou capítulos (n=131) e outros (n=263) nos quais se integram publicações editoriais, cartas e notas.
Foi apurado um total de 5.767 artigos originais publicados em inglês, após o que foi dado início ao processo de triagem de títulos. Esta etapa identificou 4.823 artigos relacionados com assuntos não focados no estudo biomecânico do equilíbrio e controlo postural, e 41 artigos que, ainda que possivelmente relacionados com o âmbito deste trabalho, foram realizados com animais ou robôs. Nesta fase da revisão sistemática, encontram-se ilegíveis para prosseguirem para a próxima etapa um total de 903 artigos
4. DISCUSSÃO
Dado o volume de literatura selecionada para análise, que será objeto de uma análise exaustiva na versão beta deste “Estado da Arte”, será apresentada, ao longo deste documento, uma resenha necessariamente breve da informação mais relevante recolhida de um conjunto selecionado de artigos resultantes desta revisão sistemática, os quais permitem estabelecer com elevada confiança o estado atual do conhecimento no que diz respeito aos sistemas de regulação do equilíbrio e do controlo postural, bem como da sua avaliação.
4.1. Sistemas biológicos de regulação
Diferentes sistemas biológicos são utilizados para regular a estabilidade postural:
(i) o sistema sensorial fornece informação sobre o posicionamento dos segmentos corporais;
(ii) o sistema motor ativa a musculatura para a realização do movimento pretendido e
(iii) o sistema nervoso coordena a conexão entre os sistemas sensorial e motor (Lestienne e Gurfinker; 1988; Duarte e Zatsiorsky, 2002).
De modo geral, crianças, adultos e idosos, atletas ou não, podem sofrer perturbações do equilíbrio postural, as quais podem estar relacionadas com problemas percetivos com diminuição da força muscular, distúrbios articulares, uso de medicamentos e envelhecimento (Wegener et al., 1997; Ruwer et al., 2005; Duarte et al., 2000). Neste contexto, o desequilíbrio pode prejudicar a função motora, nomeadamente prejudicar a qualidade de gestos desportivos ou aumentar os riscos de queda e de ocorrência de lesões (Almeida et al.,2016; Delahunt et al., 2013; Coughlan et al., 2012). É, portanto, essencial estabelecer estratégias para a prevenção do desequilíbrio e preservação dos mecanismos de regulação postural e da sua avaliação, por forma a obter informações que permitam compreender as relações de cada uma das diferentes variáveis e, assim, produzir diretrizes sobre a forma adequada de orientar a avaliação do equilíbrio e da regulação postural.
4.1.1. Sistema neuro-motor
Para manter o equilíbrio postural são necessárias informações dos segmentos do corpo e das forças atuantes sobre o mesmo. Para tal, os sistemas somatossensorial, visual e vestibular precisam atuar de forma precisa e integrada; em suma, sinergicamente (Ruthwell, 1994; Duarte e Zatsirosky, 1999). Acresce ser necessário que o sistema nervoso e o sistema motor atuem concomitantemente nesse processo (Chandler, Duncan, 1992), ou seja, as respostas e estratégias do movimento corporal deverão ser ajustadas de acordo com o feedback do sistema nervoso (Bankoff, 1996).
4.1.2. Sistema sensorial
Em relação aos sistemas sensoriais, o sistema visual é considerado um dos mais importantes e aquele em que mais parece determinar o equilíbrio (Latash, 1997). O seu funcionamento envolve mecanismos relacionados com a captação de informações do ambiente, nomeadamente da posição do corpo e dos seus membros em relação ao meio envolvente (Guyton, 1986). O sistema somatossensorial permite, juntamente com o sistema nervoso central, compreender a posição do corpo no ambiente, principalmente através do tato e da pressão (Guyton, 1992). O sistema vestibular coordena a posição da cabeça, força da gravidade e forças inerciais decorrentes dos movimentos lineares e rotacionais da cabeça. Duarte e Zatsiorsky (1999) sublinharam que o sistema vestibular possui dois tipos de recetores para a obtenção da orientação e movimento da cabeça:
recetores relacionados com acelerações angulares (canais semicirculares) e os recetores que detetam acelerações lineares (utrículo e o sáculo) (Figura 2).
A literatura evidencia que estes três sistemas agem de maneira integrada; no entanto, a especificidade de cada um para o equilíbrio não foi ainda totalmente esclarecida (Duarte e Zatsirosky, 1999; McCollum et al., 1996). Acredita-se qu as informações sensoriais sejam moduláveis e redundantes, ou seja, são dependentes e, muitas vezes, conflituantes, pois caso exista alguma desregulação de um sistema, outro pode aumentar sua função para manter o controle postural (McCollum et al., 1996).
4.2. Medição e avaliação do equilíbrio e regulação postural
Para mensurar a capacidade de equilíbração, a literatura tem reportado diferentes tipos de soluções, variáveis de estudo e equipamentos, como plataformas de força, plataformas e palmilhas podobarométricas, eletromiografia e testes clínicos, tais como o Star Excursion Balance Test e o Y Balance Test, além do recurso a jogos informáticos, habitualmente designados como Exergames (Duarte et al., 2000; Dawson et al., 2018; Mochizuki e Amadio, 2003; Hertel et al., 2006; Coughlan et al., 2012).
A variável mais comummente utilizada para avaliar o equilíbrio é a migração do CP, bem como a respetivas subvariáveis, a qual traduz o efeito das forças em atuação sobre a superfície de suporte e, portanto, representa a combinação do sistema de regulação da estabilidade postural e da força gravitacional (King e Zatsiorsky, 1997; Duarte et al., 2000). A migração do CP é definida como uma medida de deslocamento, sendo dependente da dinâmica do CM (Duarte et al., 2000; Duarte e Zatsiorsky, 1999; Duarte e Zatsiorsky, 2002), e promovido pelas oscilações posturais decorrentes da posição circunstancial do indivíduo. Este tipo de sinal pode ser analisado no domínio do tempo e da frequência (Carpenter et al., 2001)
O estabilograma consiste (normalmente, mas não exclusivamente) no registro do equilíbrio postural do corpo todo na posição ereta (Terekhov, 1976), sendo quantificado em termos das oscilações ântero-posteriores e médio-laterais do CP. Os estudos estabiloméricos podem ser realizados em duas condições: estática e dinâmica. A análise estática é realizada normalmente na posição ortostática ereta, portanto, sem que o sujeito realize qualquer movimento; por outro lado, a análise dinâmica é realizada aplicando-se uma perturbação especifica, de acordo com o objetivo proposto (Duarte et al., 2000). Duarte et al. (2000) sugerem que nenhuma das análises é apropriada para descrever a posição natural, dado que na condição estática não são permitidas alterações posturais significativas e intencionais e na dinâmica são aplicadas forças externas que instabilizam essa posição de base.
4.3. Meios de avaliação postural e de equilíbrio
Os instrumentos para a avaliação do equilíbrio estão associados com as variáveis que se deseja avaliar, a tarefa que se procura controlar e o ambiente (Delahunt et al., 2013; Dawson et al., 2018; Duarte, Harvey e Zatsiorsky, 2000). Dessa forma, compreender as condições adversas que interferem nas respostas do equilíbrio postural e conhecer os efeitos da estabilidade postural através da instrumentalização, podem gerar informações suficientes para permitir melhor decisão clínica durante a reabilitação e a prevenção.
Tal como já foi referido, o equilíbrio pode ser analisado com recurso a diferentes equipamentos, tais como plataformas de força e podobarométricas (ou palmilhas podobarométricas), eletromiografia e testes clínicos.
4.3.1. Plataformas de forças e podobarométricas
Sendo o CP a principal variável utilizada para avaliar a estabilidade postural (Duarte, Freitas, 2010), as plataformas de força são o equipamento ideal para a sua medição. As plataformas de força são constituídas por sensores de força capazes de medir os componentes da força ântero-posterior, médio-lateral e vertical, bem como os momentos em torno dos eixos correspondentes (Figura 3).
De acordo com a literatura especializada, a plataforma de forças é efetivamente o instrumento mais utilizado para avaliar a estabilidade postural (Duarte e Freitas, 2010; Duarte e Zatsiorsky, 1999; Collins e de Luca, 1993; Baratto et al., 2002). A análise estabilométrica com este equipamento pode ser dividida em avaliação global e avaliação estrutural. A análise global está relacionada com a avaliação das oscilações da posição planar do CP no domínio do tempo e da frequência, enquanto a análise estrutural relaciona-se, por sua vez, com dados da estabilidade postural e com o controlo motor (Duarte e Freitas, 2010; Duarte e Zatsiorsky, 1999; Collins e de Luca, 1993).
Independentemente do tipo de plataforma de força utilizada, esta deverá cumprir alguns requisitos, nomeadamente uma exatidão superior a 0,1mm, precisão superior a 0,05mm, banda de frequência entre 0,01 e 10 Hz e uma linearidade superior a 90% ao longo da gama de medição (Scoppa et al., 2013).
As plataformas de pressão, ou podobarométricas, enquanto instrumentos sensíveis à pressão (força vertical por unidade de superfície de contacto), permitem também o cálculo da força vertical resultante de reação do solo e, por isso, também do seu ponto de aplicação – o CP. Também as palmilhas podobarométricas permitem determinar o CP em cada uma (em cada pé), sendo possível, portanto, calcular também o CP da força resultante das forças contralaterais.
4.3.2. Eletromiografia
Numa situação de desequilíbrio é necessária uma reorganização neuromuscular com o objetivo de se retomar a estabilidade postural. Um padrão de atividade eletromiográfica, mormente da musculatura que cruza o complexo articular do tornozelo, também é reconhecível (apesar de forma menos evidente), na simples manutenção da posição ortostática. Portanto, a eletromiografia pode ser uma ferramenta útil para compreender, qualificar, comparar e correlacionar a atividade muscular durante a instabilidade, ou como garante da estabilidade (de Luca, 1997; Duarte e Zatsiorsky, 1999). Apesar da eletromiografia não quantificar a ativação de propriocetores, consiste numa ferramenta que permite verificar a ativação do músculo (em amplitude, no tempo e em frequência) e as possíveis alterações posturais decorrentes desta ativação. Delahunt et al. (2006), num estudo avaliando articulações da anca, joelho e tornozelo durante a marcha, observaram um aumento da atividade eletromiográfica em músculos necessários para manter a estabilidade durante essa atividade particular. A eletromiografia surge, portanto, como uma ferramenta complementar útil na análise da estabilidade postural, podendo ser considerada na análise dos resultados proporcionados pela estabilometria tradicional.
4.3.3. Testes clínicos
Na indisponibilidade de instrumentação que permita a avaliação objetiva, direta, de parâmetros robustos tradutores da capacidade de equilibração e regulação postural, recorre-se frequentemente a testes clínicos (às vezes também designados por testes de capacidade física). Entre estes, o Star Excursion Balance Test (SEBT) é considerado fiável para avaliar o equilíbrio postural dinâmico. O teste consiste na realização de movimentos numa sequência com 8 direções pré-determinadas, através de sinalizações no solo, realizada em apoio unipodal do membro inferior.
Numa revisão de Gribble et al. (2012) o SEBT é reportado como tendo uma boa fiabilidade para a avaliação do equilíbrio postural com resultados adequados à medição de desequilíbrios dinâmicos. No entanto, Coughlan et al. (2012) ressalvam a existência de vários protocolos e salientam que, devido ao elevado número de repetições nas 8 direções, o tempo para a execução torna o SEBT inviável para avaliação clínica (Figura 4).
O teste Y Balance Test (YBT) é uma versão instrumentalizada do SEBT, permitindo a avaliação em 3 direções: anterior; medial-posterior e latero-posterior. Além disso, é realizado com um maior número de repetições, reduzindo assim o número de erros e variabilidade de execução. O YBT possibilita a normalização das distâncias de acordo com o comprimento do membro do indivíduo (Plisky et al., 2009). Os mesmos autores encontraram para o teste, um ICC de bom a excelente e consideraram-no um bom método para avaliar desequilíbrios dos membros inferiores.
A utilização concorrente de testes clínicos poderá vir a ser considerada como opção complementar para a análise da pertinência de novos dispositivos de vocação mais paramétrica, objetiva e controlada.
4.3.4. Exergames
Outra ferramenta que tem vindo a ser utilizada para promover o equilíbrio postural (e menos para o avaliar) são os exergames, ou jogos com realidade virtual, os quais são combinados com movimentos corporais.
Trata-se de uma ferramenta de baixo custo e promissora, sendo que a literatura tem evidenciado os exergames como benéficos para melhoria do equilíbrio estático e do controle postural. Gatica et al (2010) e Williams et al. (2010) avaliaram idosos e encontraram resultados positivos no controle postural através da utilização de exergames, podendo representar uma boa estratégia na prevenção e na reabilitação do controle postural.
Considerando o seu potencial no domínio do treino propriocetivo, exergames incluídos em sistemas dedicados para o treino proprioceptivo da capacidade de equilibração e regulação postural (como é o caso do BIODEX BALANCE SYSTEM), poderão ser considerados como instrumento de intervenção entre pré e pós-teste.
4.4. Caraterização da migração do Centro de Pressão
A maioria dos estudos relacionados com estabilometria têm sido realizados com plataformas de forças, as quais permitem a medição do CP como o ponto de aplicação da resultante das forças aplicadas por cada membro inferior, bem como dos movimentos do CM de todo o corpo.
A representação do deslocamento do CP nas direções ântero-posterior e medio-lateral em função do tempo é normalmente designado por estabilograma. É igualmente possível a representação destas variáveis em função uma da outra, sendo frequentemente atribuído ao gráfico daí resultante dado o nome de estatoquinesigrama (Kapteyn et al., 1983). Zatsiorsky e Duarte (1999) estabeleceram a hipótese do rambling-trembling como forma de explicar o movimento de duas das componentes do estatoquinesigrama. Neste modelo, o equilíbrio é alcançado pelo movimento conservativo, mas exploratório do CP, que migra ao longo da base de apoio (rambling), e pelas oscilações do CP em torno da sua trajetória de migração (trembling).
Dos vários métodos disponíveis para descrever o controlo postural, os mais comuns são aqueles que descrevem as propriedades do COP em função do tempo e frequência (Prieto et. al, 1996; Rocchi et al., 2004). Parâmetros temporais incluem migração média da posição média do CP, root-mean-square da migração da posição média do CP, distância total de migração do CP, migração pico-a-pico do CP, velocidade média de migração do CP, área do circulo ou elipse que define com 95% de confiança a área de migração, ou área “varrida” pelo CP. Os parâmetros de frequência descrevem a potência total da frequência do sinal do CP, mediana da frequência, 95% da gama de frequência, centroide da frequência e a dispersão de frequências.
4.5. Base de suporte ou base de sustentação
Os testes de equilíbrio e controlo postural podem ser realizados nas condições bipedal ou unipedal (Paillard e Noé, 2015). Na condição bipedal é possível o posicionamento dos membros inferiores em várias posições, desde pés juntos até pés separados, geralmente com um ângulo entre 15 a 30o entre si e a uma distância entre 5 a 15 cm entre maléolos mediais (Mehdikhani et al, 2014; Kim, Kwon e Jeon, 2014; Paillard e Noé, 2006).
Dependendo do modo de posicionamento, é obtida uma área de suporte distinta, correspondendo à área do solo em que os pés se encontram em contato e à área compreendida entre ambos os pés (Figura 6).
Por forma a manter uma posição estável e equilibrada, o CP deve encontrar-se dentro da base de suporte (Kerr, 2010; Meyer e Ayalon, 2006), pelo que a posição dos pés afeta a estabilidade da posição ereta (Mouzat et al., 2004).
Nam et al. (2017) demonstraram a existência de diferenças significativas na atividade muscular do tronco para a manutenção do controlo postural, bem como das caraterísticas do CP consoante a dimensão da base de suporte. Meyer e Avalon (2006) reiteram este facto afirmando que uma menor base de suporte providencia uma menor área de alinhamento do CP, o que induz uma menor estabilidade.
5. Conclusões
Os sistemas biológicos de manutenção do equilíbrio e regulação postural são complexos e interligados. A literatura científica é prolixa em publicações dedicadas ao estudo destas relações, as quais são realizadas tendo em conta testes clínicos, a atividade eletromiográfica da musculatura envolvida na regulação postural, ou com recurso a sistemas de medição mais robustos como as plataformas de força.
Todavia, parece ser consensual a necessidade de garantir uma precisão adequada no que respeita à observação da cinemática do CP, como a sua localização espacial, o seu movimento de rambling e trembling e as suas caraterísticas espácio-temporais e de frequência.
Também a base de suporte é determinante na manutenção do equilíbrio e controlo postural, na medida que tal define a área disponível para o CP se deslocar – limites de estabilidade.
Em suma, o estudo deste tema é possível e deverá preferencialmente realizar-se mediante a utilização de equipamentos apropriados e a análise de parâmetros descritores do movimento do CP dentro da base de suporte.
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