· 23 Abril 2019

"Transferências intergeracionais e envelhecimento em Espanha, uma análise de 1970 até hoje"

Introdução

Este projecto visa realizar uma análise dos efeitos do envelhecimento na economia espanhola. Para tal, será estudado o período de 1970 até o presente e, em vista dos resultados, serão realizadas simulações sobre a possível evolução futura. A metodologia a utilizar é a das chamadas Contas Nacionais de Transferência (NTAs). Esta é uma metodologia desenvolvida desde o início dos anos 2000, num projeto internacional liderado pelas universidades americanas de Berkeley e Havaí. Actualmente, mais de quarenta países de todo o mundo (incluindo Espanha) participam neste projecto. O método de estimação da NTA foi aprovado e publicado num manual das Nações Unidas (Divisão de População).

A Metodologia NTA

As NTA consistem em estimar, para cada momento de tempo e para uma dada economia (de momento a análise é realizada por países), todos os fluxos de recursos que ocorrem entre os diferentes grupos etários das gerações que convivem. Em termos estritamente económicos, o ciclo de vida das pessoas pode ser dividido, em termos gerais, em três fases principais a que chamaremos: infância-juventude, idade activa e idade da reforma. Durante a idade ativa, os indivíduos têm a capacidade de trabalhar que lhes permite gerar os recursos necessários para satisfazer as suas necessidades de consumo, enquanto na infância e na reforma carecem desses recursos. Assim, é essencial que exista algum tipo de mecanismo que permita, em todos os momentos, as transferências intergeracionais necessárias para que as crianças e os idosos possam consumir e satisfazer as suas necessidades.

Existem basicamente três mecanismos de redistribuição intergeracional. A primeira é a própria família, onde, por exemplo, os pais agem cuidando e satisfazendo as necessidades dos filhos, ou mesmo dos avós. Em segundo lugar, o setor público também realiza transferências intergeracionais, já que a maioria dos programas de gasto social têm como alvo algumas idades e é financiada com recursos de outros. Por exemplo, as pensões e os cuidados de saúde beneficiam principalmente os idosos, a educação beneficia as crianças e, em todo o caso, são financiados por impostos que são principalmente pagos pelos trabalhadores. Por último, as transferências intergeracionais podem também ocorrer através do mercado: os idosos poderiam ter poupado durante a sua vida ativa e recuperado o investimento durante a velhice. No caso das crianças, um raciocínio semelhante implicaria que elas teriam de contrair uma dívida à nascença e reembolsar esse crédito uma vez incorporados no mercado laboral. No entanto, embora no caso dos idosos haja, de facto, reafectações temporárias de rendimentos (em maior ou menor grau consoante o país), o mesmo não acontece no caso das crianças, em que a família desempenha um papel fundamental.

O procedimento de estimativa das NTA é complexo e exige uma carga de trabalho significativa em termos de pesquisa e tratamento de dados estatísticos a nível micro. As NTA fornecem não só perfis de consumo e de rendimento do trabalho, mas também todas as variáveis em que podem ser decompostas, bem como os diferentes mecanismos de financiamento das necessidades de consumo de diferentes idades. Assim, são construídos perfis de transferências privadas (tanto familiares como intra-familiares) e públicas (todos os impostos, contribuições sociais e todos os gastos públicos). Por seu lado, as reafectações de activos, na ausência de informação estatística adequada que permita estimar directamente esses activos, são obtidas em balanço, utilizando a equação básica das NTA. Todos os perfis são obtidos per capita e em nível agregado (multiplicando cada perfil pela população de cada faixa etária). Os agregados devem corresponder aos fornecidos pelas Contas Nacionais de cada país, para que as NTA sejam coerentes com as Contas Nacionais.

Gráfico 1. Perfil do rendimento do trabalho (YL) e do consumo (C) per capita por idade em Espanha (2000)

As NTAs fornecem informações inestimáveis que nos permitem observar como ocorrem as transferências intergeracionais num determinado período. Assim, em primeiro lugar, existe um perfil por idade de consumo e rendimento do trabalho. A diferença entre os dois produz o chamado Déficit do Ciclo de Vida ou LCD. No Gráfico 1 representamos os perfis de Espanha estimados para o ano 2000. Como se pode observar, embora o consumo seja bastante regular ao longo do ciclo de vida, o mesmo não acontece com os rendimentos do trabalho, que estão claramente concentrados na fase central. Isto conduz a um excedente do ciclo de vida (o rendimento do trabalho é superior ao consumo) entre as idades de 26 e 58 anos. Pelo contrário, em idades mais jovens e mais velhas, ocorre um défice no ciclo de vida, ou seja, os indivíduos necessitam de transferências para satisfazer as suas necessidades de consumo. Estas transferências deverão ser efectuadas através de um dos três mecanismos acima indicados.

O Gráfico 2 mostra uma comparação dos perfis de rendimento do trabalho e de consumo dos diferentes países membros do projeto NAT classificados por área geográfica. Embora a forma dos perfis das NAT apresente, em geral, tendências muito semelhantes entre os países, podem ser observadas algumas diferenças interessantes. Por exemplo, os países nórdicos (Suécia, Finlândia), Alemanha e EUA têm um perfil de consumo que cresce visivelmente na vida adulta. Isso explica-se principalmente pelo consumo público que cresce consideravelmente nessas faixas etárias (em programas como a assistência à dependência). No entanto, noutros países europeus como a Áustria, França, Itália ou Espanha, este fenómeno não é observado. No que diz respeito ao rendimento do trabalho, verifica-se que nos países com maior desenvolvimento económico, este está concentrado principalmente nas idades centrais. Em países como a Turquia, a Índia, a Colômbia ou países africanos, pode ser apreciada uma maior importância do rendimento do trabalho em idades muito jovens.

Gráfico 2. Perfis por idade de consumo e rendimento do trabalho per capita em diferentes países da NAT.

O déficit de ciclo de vida que as pessoas têm que enfrentar irremediavelmente durante a sua infância e uma vez que perdem a capacidade de trabalhar, poderia ser financiado com os três mecanismos de transferência intergeracional mencionados acima: transferências familiares, transferências públicas ou realocações através dos próprios mercados.  

A importância destes três mecanismos é diferente em cada país e, suspeitamos, sofreram variações significativas ao longo da história.

O Gráfico 3 mostra a importância relativa do rendimento do trabalho (YL), das transferências privadas (TF), das transferências públicas (TG) e das reafectações temporárias de rendimentos (ABR) no financiamento do consumo de jovens e idosos em três países da NAT, EUA, Costa Rica e Alemanha. Em primeiro lugar, observa-se que, para os jovens, a principal fonte de financiamento do seu consumo são as transferências privadas (TF), basicamente das suas famílias, seguidas das transferências públicas, principalmente educacionais (embora a importância destas difira acentuadamente entre os países). Por outro lado, para as pessoas com mais de 65 anos, a sua principal fonte de financiamento vem das transferências públicas (pensões, saúde), seguidas das alocações intertemporais de renda. É de salientar a diferença entre os EUA e a Alemanha (diferença que também existe com o resto dos países europeus) em termos de rendimentos do trabalho. Para os americanos mais velhos, o rendimento do trabalho financia cerca de 24% do seu consumo, enquanto na Alemanha cai para apenas 3%. É apenas uma consequência da maior participação laboral dos idosos na economia norte-americana, cuja idade média de reforma é superior à da Europa.

Gráfico 3: Mecanismos de financiamento do consumo dos jovens (0-24 anos) e dos idosos (65+)

Se nos concentrarmos na importância das transferências públicas, ou seja, no papel do Estado de Bem-Estar, encontramos resultados interessantes. No Gráfico 4 representamos a porcentagem de transferências públicas recebidas por jovens (0-24 anos) e idosos (65 anos ou mais) em diferentes países da NAT, em relação ao seu próprio consumo. Vale a pena notar as diferenças entre países como o Reino Unido ou a Suécia, por exemplo. No Reino Unido, os idosos recebem apenas 45% do seu consumo total em transferências públicas, enquanto no caso das crianças a proporção é reduzida para 20%. No caso da Suécia, por outro lado, os idosos recebem transferências públicas equivalentes a 100% do seu consumo e as crianças cerca de 40%. Existem, portanto, duas características interessantes. Em primeiro lugar, mesmo que comparemos países com Estados de bem-estar consolidados, existem diferenças importantes no seu nível de protecção. Em segundo lugar, e não menos interessante, existe um claro preconceito a favor dos idosos em todos os países analisados. Apesar destas duas fases serem igualmente dependentes em termos económicos, o Estado de Bem-Estar desenvolveu-se no sentido da protecção dos idosos, deixando a protecção das crianças basicamente nas mãos das famílias.

Gráfico 4: Transferências públicas recebidas por jovens (0-24) e mais velhos (65%) nos países da NAT, em percentagem do consumo total da mesma faixa etária

No Gráfico 5 apresenta-se uma representação gráfica comparativa entre os países da NAT da importância dos três mecanismos de financiamento do défice do ciclo de vida para as pessoas com mais de 65 anos. Como se pode verificar, as principais são as transferências públicas e as redistribuições intertemporais de activos, enquanto a importância das transferências familiares neste grupo etário é muito menor.

Gráfico 5: Representação dos mecanismos de financiamento do défice do ciclo de vida para as pessoas com mais de 65 anos nos países da NAT

Objectivo do projecto

O objectivo deste projecto é analisar a evolução do Estado de Bem-Estar e a sua interacção com as transferências intergeracionais em Espanha desde 1970 até aos nossos dias. O objectivo é estudar os efeitos da composição etária da população e tirar lições sobre os efeitos económicos do envelhecimento. É difícil encontrar trabalhos de investigação em que o desenvolvimento do Estado de Bem-Estar seja estudado a partir de uma perspectiva histórica relacionada com a evolução demográfica. Esta será a principal contribuição deste projecto.

Uma vez que já temos estimativas da NAT para Espanha para os anos 2000 e 2012, será necessário construí-las para o período 1970-2000. A metodologia a seguir será a standard da NTA, utilizando os inquéritos aos orçamentos familiares disponíveis para 1970, 1980 e 1990, bem como outras fontes de dados de organismos públicos e das Contas Nacionais.

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