O futuro da velhice será urbano. Ao contrário da crença popular, as pessoas não regressam às suas aldeias quando são mais velhas. Esta crença deriva do facto de que as cidades estão a envelhecer, mas isto não significa que estejam a atrair pessoas mais velhas, mas sim que tenham permanecido lá. Sim, há exceções, claro, mas já não é comum decidir regressar à aldeia para passar os últimos anos. Isto está a acontecer (ou deixou de acontecer) por muitas razões, mas sobretudo porque há cada vez menos pessoas que têm uma aldeia para onde regressar.
Entre as muitas mudanças na velhice e no envelhecimento, esta é uma delas: uma percentagem mais elevada de pessoas mais velhas são urbanitas desde o nascimento ou desde muito jovens, de modo que passaram a maior parte da sua vida adulta numa cidade. Para os mais velhos do futuro, isto será cada vez mais verdade: a grande maioria das pessoas terá nascido numa cidade, uma vez que os municípios mais pequenos têm cada vez menos nascimentos. Isto tem muito a ver com a dinâmica demográfica, mas sobretudo com a urbanização crescente: as aldeias não estão apenas a desaparecer, estão em mutação. Algumas aumentam de tamanho até já não serem consideradas aldeias. Outros desaparecem, é verdade, deixando-nos sem vestígios do nosso passado e sem grandes heranças culturais, entre outras questões (chave, sem dúvida, mas para além do objetivo deste posto).
Voltando ao tópico com que começámos: pensar que se vai para uma vila que não conheces numa altura da tua vida em que o ambiente desempenha um papel fundamental, quando valorizas mais a presença de conhecidos e quando a segurança percebida é mais importante, torna-se difícil de acreditar. Mais do que a minha própria opinião, é isto que me dizem as pessoas mais velhas que entrevistei. É a mesma situação à inversa: é invulgar que uma pessoa que passou toda a sua vida numa aldeia queira envelhecer numa cidade que lhe é desconhecida (embora se os seus filhos lá vivem, isso possa ser uma boa razão).
Não querer regressar à aldeia com a qual já não tens quaisquer laços para além dos simbólicos não é bom nem mau em si mesmo. Outra coisa será o despovoamento e o desequilíbrio territorial, sobre o qual podemos falar noutra ocasião. Deveríamos, de facto. Mas se deixarmos de associar a velhice exclusivamente às zonas rurais, isso leva-nos a um facto chave: o futuro da velhice será urbano. E, no futuro urbano, a velhice terá cada vez mais peso. O envelhecimento (a relação numérica entre jovens e idosos) nas cidades irá aumentar. Isto significa que os ambientes urbanos terão de estar preparados para a mudança das necessidades e para esta situação demográfica, que é apenas a manifestação da grande realização associada a uma maior esperança de vida. Será que isto significa que as cidades serão espaços onde outras idades não se sentirão confortáveis? De modo algum. Uma cidade preparada para os mais velhos é uma cidade preparada para os vizinhos de todas as idades e condições. Conceber uma cidade com uma perspetiva etária significa conceber com critérios de inclusão e acessibilidade, a mesma segurança no espaço que as crianças e os jovens, por exemplo, serão capazes de aproveitar. O fracasso das cidades é desenhar para carros ou para aqueles que queremos visitar-nos durante um curto período de tempo.
Dizemos que as pessoas envelhecerão nas cidades; embora a permanência no ambiente familiar (ageing in place) tenha demonstrado ter muitos benefícios, algumas pessoas (talvez tu próprio) questionar-se-ão se a cidade é o ambiente mais adequado para envelhecer e para ser velho, uma vez que é onde se concentram muitos dos problemas sociais que caracterizam as sociedades contemporâneas. Por exemplo, existe a crença de que os ambientes urbanos são espaços sem raízes, sem identidade, sem solidariedade de vizinhança. Estas descrições centram-se na impessoalidade das cidades, na transitoriedade das pessoas, como se as cidades fossem uma espécie de "não-lugares alargados", aos quais apenas vamos por pouco mais do que obrigações relacionadas com o trabalho. Fala-se também da segmentação (ou inexistência) de ligações entre os habitantes da cidade, sem redes sociais e de vizinhança, onde parece que se pode cair (por exemplo) e onde ninguém o vai ajudar a levantar-se. De acordo com estas ideias, as cidades são descritas como "sem alma". E, acima de tudo, sem coração.
Não partilho esta visão, mas também compreendo que estas manifestações podem refletir a própria experiência que se tem da cidade e do ambiente em que se vive. Neste sentido, lembro-me daquele especialista em sociologia rural que, ao avaliar a minha tese final de mestrado sobre capital social nas cidades, alegou como uma crítica que as relações sociais nos bairros centrais não existiam; "nem sequer nos cumprimentamos no meu prédio". Outro professor, com uma visão diferente da cidade, disse-lhe " isso és tu, que és mal-educado". No meu prédio cumprimentamo-nos uns aos outros". Bem, visões.
Em qualquer caso, esta ideia da cidade como "sem vida" coexiste, felizmente, com imagens da vida urbana que sublinham a importância do ambiente local como fonte de solidariedade e outras experiências positivas de ligação ao local de residência, o que por sua vez nos beneficia em termos de auto-estima e sentimentos de inclusão. De facto, foi demonstrado que para muitas mulheres mais velhas, o bairro pode desempenhar um papel fundamental nas suas vidas (não é uma coisa pequena; convém lembrar que somos e seremos mais velhas do que velhos, porque as mulheres vivem mais tempo). Porquê? Bem, porque o bairro torna-se o cenário natural para a interação, o espaço familiar e, portanto, o lugar para as relações de colaboração e onde o apoio prático e emocional surge em momentos de necessidade.
Sobre este (para mim, precioso) tema, publicámos este artigo sobre como é envelhecer num bairro urbano no centro de uma grande cidade: o bairro de Universidad (conhecido como Malasaña), que se situa numa zona central de Madrid (Espanha). Este bairro tem estado exposto, durante anos, a processos de gentrificação e de turistificação, que têm ambos um efeito muito negativo sobre as pessoas mais velhas.
O que é a gentrificação e como afecta a qualidade de vida das pessoas idosas? A gentrificação é uma mudança na população de um território; os "velhos" vizinhos são substituídos por novos com mais poder de compra. Os primeiros (os antigos) são deslocados dos seus bairros neste processo e forma-se um processo de expulsão e divisões (segregação) da população no espaço. Associada à gentrificação e às novas abordagens ao "que é uma cidade" ou ao que deve ser e oferecer, está a turistificação O interesse turístico tem prioridade sobre o interesse do bairro, e a cidade é redefinida, por assim dizer.
Estas são descrições muito grosseiras, mas talvez nos ajudem a compreender que há mudanças na utilização das casas, que deixam de acolher o vizinho que te empresta o sal para acolher alguns senhores que não voltarás a ver, através da conversão para habitação turística, que produzem mudanças na oferta hoteleira e no tipo de lojas do bairro. Também na utilização que é feita dos espaços (já falámos de esplanadas de bares e bancos para se sentar).
Nas zonas centrais, muitos residentes entram e saem, por exemplo, estudantes ou jovens que viverão no bairro durante algum tempo. Geralmente, onde há mais casas de aluguer, há uma maior mobilidade residencial (mudança de casa) do que nas áreas onde vivem os proprietários. Isto torna mais difícil conhecer estes vizinhos ou torná-los uma parte ativa do tecido social do bairro. Isto é de esperar: se passas pouco tempo num lugar, parece que estás menos interessado em envolver-te em atividades da vizinhança. Com os nossos estilos de vida, não nos resta muito tempo, mas se só vamos estar lá por pouco tempo, estamos menos inclinados a passar algum do nosso escasso tempo a construir relações de bairro. Talvez por esta razão pensemos que não existem relações sociais de qualidade na cidade; na realidade, somos nós que não nos preocupamos em estabelecer tais relações, o que não significa que elas não existam entre outros vizinhos.
Para resumir, e para simplificar enormemente, além de outros problemas associados ou diretamente gerados pela gentrificação e turistificação, estes processos tornam extremamente difícil a criação de um bairro. Este "desaparecimento" do bairro tem efeitos muito negativos para as pessoas mais velhas. Se substituirmos os residentes por turistas, não teremos uma associação de bairro, o que é evidente. Quem se queixará dos problemas no bairro? Nem precisaremos de serviços para os residentes, nem as lojas serão locais (porquê ter uma padaria se ninguém lá faz compras?) o que, a curto e longo prazo, destrói o bairro e o seu tecido comercial e, portanto, o seu tecido social. Existem muitos outros problemas associados, mas estes são os que mais frequentemente afetam os mais velhos: estar rodeado de "habitações fantasmas" significa não ter ninguém para o ajudar em caso de necessidade, nem ser capaz de fazer amizade com os inquilinos. Significa também ver a loja onde costumava comprar as matérias-primas para o seu guisado ou lentilhas substituídas por uma loja de moda. Significa ter de apanhar o autocarro para ir às compras e ver desaparecer as relações estabelecidas enquanto se esperava na peixaria, ou ver o preço dos produtos básicos subir, porque a oferta diminui à medida que a procura diminui. Só as lojas de elite e mais diversificadas poderão sobreviver, e será fácil para os mais velhos sentirem-se menos em casa no seu antigo bairro ou mesmo não terem condições para lá viver. Por vezes usamos a expressão sobre se este é o mundo que queremos deixar aos nossos filhos, às crianças do futuro. E é esta a cidade que queremos deixar para os idosos?