CENIE · 08 Maio 2023

É o cohousing a alternativa aos lares? Resposta curta: não.

Vou explicar aqui porque é que não concordo com certas abordagens do chamado "cohousing". A ideia de cohousing sénior, que seria viver numa espécie de "comuna" em que partilhamos uma série de serviços e onde iríamos viver no fim da vida (perdoem-me a simplificação) não me parece errada. Quem sou eu para dizer às pessoas onde devem ou não devem viver. Como é que uma ideia que se baseia na ideia de criar uma comunidade, de partilhar, pode parecer-me errada? 

Não, não é que eu ache que a ideia, em abstracto, seja má. De modo algum. A minha única questão é que o cohousing, sendo uma opção ou uma alternativa interessante a outros modelos, não responde a nenhuma necessidade específica ou, pelo menos, não responde a algumas das questões para as quais é apresentada como uma alternativa ou ferramenta útil. Passo a explicar. 

Ultimamente, vejo que o cohousing tende a ser apresentado como um modelo de cuidados, como um modelo alternativo aos lares. É verdade que, perante certos problemas na casa ocupada pela pessoa idosa ou relacionados com o meio envolvente e a acessibilidade (como aqueles a que me refiro aqui), é necessária uma mudança de casa e de habitat. Esta mudança, não esqueçamos, está fortemente limitada pela disponibilidade de uma série de recursos económicos, aconselhamento, capacidade de gestão e até tolerância psicológica a mudanças muito extremas. No caso de optar pelo cohousing, espera-se que a pessoa idosa (ou em vias de o ser) tenha uma comunidade criada e forte na qual se apoiar num processo que pode durar anos. Muitos anos. Este não é um aspeto menor.

Se o cohousing pode parecer-me uma boa alternativa (ou simplesmente mais uma) para as pessoas que gozam de boa saúde, considero que não responde às necessidades de uma grande parte da população envelhecida. É neste ponto que levanto as maiores resistências, porque no imaginário popular e em certos discursos parece por vezes entender-se que o cohousing é uma alternativa ao lar. Abordagens neste sentido fazem-me pensar que se baseiam num conhecimento muito limitado e um pouco (de facto, muito) idealizado da realidade da residência, das circunstâncias que levaram um certo número de pessoas a terminar aí os seus dias e das necessidades (tipo de cuidados) daqueles que a habitam. A minha rejeição ou resistência à abordagem do cohousing não é de todo por não compreender que alguém queira oferecer uma alternativa a uma realidade que é horrível. Porque, mesmo que os lares respeitassem efetivamente a ideia de cuidados centrados na pessoa, se respeitassem os parâmetros de qualidade que deveriam ser exigidos para obter as licenças adequadas, o significado da residência (a necessidade de cuidados contínuos, a grande dependência) é horrível. 

Compreendo que, perante esta realidade, se procurem alternativas diferentes para a questão da institucionalização. Estive em muitos lares de idosos ao longo da minha vida e, além disso, em diferentes fases do meu próprio desenvolvimento, pelo que posso compreender as diferentes reações e pontos de vista sobre a realidade da institucionalização. A primeira vez que entrei num lar de idosos, ainda me lembro muito bem, era apenas uma criança. E tinha medo. Tinha medo daquelas pessoas que tentavam agarrar-me e que me chamavam e me sorriam com dentaduras incompletas. Agora, com o passar do tempo, percebo como devem ter ficado emocionadas aquelas pessoas, tão velhas e sozinhas, num ambiente que provavelmente lhes era hostil, por receberem a visita de uma menina e poderem, de alguma forma, ter essa relação intergeracional a que tanto aludo.

Também estive em diferentes lares na minha adolescência, quando o cheiro predominante ficava preso na minha pituitária e eu desejava estar longe dali. Passei horas em lares de idosos quando era mais velha ou talvez mais madura para compreender que era suposto eu estar ali. Passei tempo em lares para visitar pessoas que não faziam parte de mim, para reduzir a sua solidão ou isolamento, mas sobretudo passei tempo em lares para visitar a concha meio vazia de alguém que era importante para mim. Por vezes, tinha consciência de que estava ali, com ela, mas nunca de quem era: " Que bonita está, minha senhora", recordarei como um dos maiores elogios que recebi, de uma avó que já não sabia que eu era sua neta. 

O mundo particular, isolado e escondido que os lares representam continua a despertar em mim uma reação instintiva e visceral de profunda rejeição. Mas continuo, apesar disso, a compreender a necessidade da sua existência e a razão pela qual não podem ser substituídos por modelos que não tenham em conta as necessidades específicas de quem as habita. A questão fundamental, mesmo deixando para outro post as críticas à forma como os lares são geridos (críticas necessárias) é muito simples: porque é que precisamos de lares? Se formos realistas quanto à razão da sua existência, as nossas respostas serão muito diferentes das que estão na origem do desenvolvimento de modelos de co-habitação como o cohousing.  Mesmo se compreendermos que a situação das pessoas institucionalizadas é variada, as razões que nos levam aos cuidados residenciais são frequentemente problemas de saúde e uma considerável falta de autonomia. 

Quadro: Perfil de saúde das pessoas admitidas em lares de idosos.

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Fonte: https://www.inforesidencias.com/resources/public/biblioteca/documentos/s...

A co-morbilidade, a demência e a doença de Alzheimer não encontrarão um tratamento correto na abordagem do cohousing . É importante para mim não esquecer esta realidade, este ponto específico, porque assim não daremos soluções idealizadas que, na realidade, não respondem a nada mais do que um desejo, por muito louvável que seja. 

Seria maravilhoso pensar numa realidade de envelhecimento em que não precisássemos de fraldas e em que não nos esquecêssemos de quem somos. Gostaria que esta realidade que caracteriza as últimas fases da vida de algumas pessoas não existisse. Mas ela existe. É por isso que, mais do que a existência de alternativas como o cohousing que, insisto, não contempla essa realidade da fralda, há duas questões fundamentais que eu reclamaria aos lares e às alternativas possíveis. 

A primeira, na linha da alternativa (tão simples para mim e tão pouco considerada), é uma maior atenção às condições físicas dos bairros em que vivemos. Apelo a uma maior atenção das instituições públicas para as condições estruturais dos edifícios e para garantir que a qualidade das nossas casas nos permita viver nelas o máximo de tempo possível e, se possível, até ao fim das nossas vidas. Quero que a habitação seja suficientemente boa para que não sejamos condenados a um lar de idosos antes do tempo. Por outras palavras, os idosos têm muitas vezes de ir para um lar como alternativa à permanência num ambiente que subitamente se torna hostil para eles. E esta questão específica é culpa da administração (essa entidade), por não conceber cidades e ambientes em que todos possamos caber.

Por vezes, mesmo que as condições de alojamento sejam adequadas, a necessidade contínua de cuidados e, sobretudo, a procura de cuidados especializados faz com que os cuidados residenciais sejam a única alternativa real. É aqui que entra a segunda questão fundamental: os lares de idosos devem oferecer uma qualidade de vida decente. Isto implica um número suficiente de cuidadores, com um rácio cuidador/residente muito distante da realidade atual. Implica também que os cuidados devem ser bem pagos. Além disso, temos de ultrapassar a ideia de que qualquer pessoa, em qualquer altura, pode prestar cuidados. Os cuidados de que as pessoas necessitam ao longo das suas vidas devem ser prestados por pessoas com um determinado nível de conhecimentos.

Termino este post insistindo que compreendo a coabitação para aqueles que a querem, velhos ou novos, mas sublinhando que não é uma solução mágica e que há uma procura de cuidados à qual temos de responder solidariamente, a partir da sociedade, garantindo a qualidade dos cuidados e da atenção recebidos no lar, garantindo também o bem-estar daqueles que lá trabalham.

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