· 31 Janeiro 2020

Cuidado contra o uso de robôs para aliviar a solidão das pessoas idosas

Por cenie
Piden cautela ante el uso de robots para paliar la soledad de los mayores - Innovación, Actualidad

Suicídio demográfico, a Espanha vaziada... Não há dúvida que o nosso país é marcado, e será ainda mais nos próximos anos, por um notável envelhecimento da população face a uma taxa de natalidade cada vez mais decrescente. Entre as muitas consequências desta difícil situação, os especialistas na matéria salientam que é cada vez mais comum os idosos viverem sozinhos e não terem ninguém que os acompanhe ou cuide deles nesta fase das suas vidas.

Longe das grandes soluções eficazes e reais oferecidas pelos governos responsáveis, as empresas de tecnologia não perdem tempo e aproveitam os seus avanços para pesquisar novos dispositivos que apoiam os idosos para que não se sintam sós ou desamparados devido à sua deterioração física ou mental. As experiências-piloto já são uma realidade.

Zora e No (na França); Pepper (em Tóquio)... são robôs humanóides que já fazem parte, como membros de muitas residências, já que são capazes de manter conversas, ler a imprensa, relatar o tempo, conhecer o nome de todos os usuários, orientá-los nas aulas de ginástica ou realizar sessões de fisioterapia...

Mas será esta a verdadeira solução? Serão os robôs, e não as pessoas, os responsáveis pelo bem-estar dos idosos? Que vantagens, mas também que riscos, implicam estes avanços? Estas são algumas das questões levantadas no âmbito das Conversas de Anciãos do ABC e da Fundação bancária "la Caixa".

Miquel Domènech, professor titular de Psicologia Social na Universidade Autónoma de Barcelona (UAB) e principal investigador do projecto "Ética para os robôs que cuidam de nós" financiado pelo Programa Recercaixa, reconhece que já estão a ser realizadas experiências-piloto para humanóides e animais de estimação robóticos para cuidar dos idosos. Mas ele adverte que devemos ser muito cuidadosos com esta questão e agir com cautela. Ele defende a realização destes projectos-piloto principalmente "para nos colocar à frente dos possíveis riscos que possam surgir e evitá-los porque toda a inovação tecnológica implica uma mudança social".

Como especialista na área, ele acredita que deixar um robô aos cuidados de uma pessoa idosa "pode ser uma idéia muito ruim, especialmente se o objetivo é que ele substitua o trabalho que as pessoas fazem". Estas máquinas não podem, em caso algum, pretender cumprir todas as funções dos seres humanos".

Mas, numa tentativa de não ser alarmista, Domènech reconhece que a tecnologia faz parte das nossas vidas para nos ajudar a cuidar dos mais velhos e com grande sucesso. "Há muitas crianças que dão aos pais um telemóvel com a intenção de serem chamadas se precisarem de alguma coisa e de terem mais controlo sobre elas em qualquer emergência". Eles não querem que o telemóvel os substitua, mas isso reforça o cuidado. Se entendermos a tecnologia neste sentido, ela ajuda a reforçar as práticas de cuidados e a melhorá-las. Isso faz sentido. Se pensarmos num robô a tomar conta de todos os cuidados, não faz sentido. Merece uma reflexão muito importante.

O que acontece se esse afeto surgir?

Ele aponta que quando uma pessoa é atendida, um vínculo e afeto é estabelecido "e com a robótica isso não é possível". "Mas, ele pergunta, o que acontece se esse afeto surgir? É uma questão a ser valorizada porque um robô, além disso, não se cansa, é paciente se perguntado mil vezes onde estão os medicamentos, sempre responde, não dorme.

Para além das possibilidades oferecidas pela tecnologia e pelos robôs no cuidado dos nossos idosos, estas perguntas, Miquel Domènech, professor na UAB, adverte que "talvez o que precisamos de nos perguntar é se queremos continuar com uma sociedade em que cada vez mais pessoas idosas vivem sozinhas, ou se vale a pena mudar certos aspectos e adoptar novas medidas laborais, económicas e familiares... para que todos possamos cuidar dos nossos sem dificuldades".

O debate já está aberto e o essencial é que a opinião de enfermeiros, médicos, engenheiros e cidadãos em geral seja tida em conta no processo de concepção. "Esta tecnologia não pode ser feita sem as pessoas envolvidas, muito menos priorizar os interesses econômicos sobre as necessidades reais", diz ele.

Jordi Manchón, um aposentado que trabalha há mais de 40 anos no setor tecnológico, está preocupado que certas linhas vermelhas éticas estejam sendo cruzadas quando se trata de cuidar de uma pessoa com uma máquina. "É necessário estabelecer limites para não perder a humanização do cuidado. Cada pessoa é um caso, e cada caso é mais complicado, como vejo na residência quando visito minha mãe que tem o mal de Alzheimer".

Ele concorda que estas linhas vermelhas são determinadas por profissionais de saúde, pela família e pela pessoa que vai ser cuidada pela tecnologia. "O consenso deve ser estabelecido entre todos porque não consigo imaginar máquinas a cuidar de pessoas o tempo todo. Eles não podem substituir ou deslocar o componente humano. Mas a verdade é que estamos vivendo um momento decisivo devido ao envelhecimento da população e surgem necessidades incipientes que devem ser resolvidas".

Novos modelos familiares

Ele explica que uma das situações que nos levou a ter tantos idosos sozinhos é que há 100 anos atrás avós, filhos e netos viviam debaixo do mesmo tecto, por isso havia sempre mãos para cuidar dos idosos. "Hoje em dia é quase impensável que todos vivam juntos, e ainda mais para que alguém deixe de trabalhar para tomar conta do seu familiar. É evidente que a mudança nos modelos familiares está a causar este tipo de novas situações às quais é necessário dar uma resposta e que a tecnologia não é estranha".

Ele acrescenta que não tem dúvidas de que, do ponto de vista empresarial, será encontrado dinheiro para investir mais em tecnologia para este fim, "porque o Estado não vai assumir o custo deste paradigma em seus orçamentos". Devemos ter cuidado porque este é um mercado muito atraente para a indústria tecnológica e ainda temos tempo para estabelecer limites, ter uma discussão calma e seguir em frente com cautela".

Antoni Pérez, um médico aposentado com mestrado em bioética, é muito enfático em suas declarações quando considera que "um robô pode ser muito útil em muitos aspectos mas, nunca, nunca", insiste ele, "pode substituir as pessoas no cuidado com os outros". Ele está preocupado com o quão longe as funções destas inteligências artificiais podem ir, já que "os robôs terão a ética que lhes é concedida pelos seus programadores, o que pode gerar problemas". A realidade está à frente da teoria".

Ele assinala que já vimos muitas crianças receberem um telemóvel e agora lamentamos tê-lo feito em tão tenra idade devido às dificuldades envolvidas: menos socialização, fácil de assediar, demasiadas horas passadas... "Sou pessimista a este respeito. O Parlamento Europeu já está fazendo recomendações sobre o uso de robôs para este cuidado e eu acho que eles não vão ser cumpridos porque há muitos interesses instalados".

Os principais perigos dos robôs para as pessoas Antoni Pérez destaca a falta de comunicação, a manipulação que eles podem fazer dos idosos para cuidar deles e a desumanização dos cuidados. "Contudo, a tecnologia como suporte e auxiliar - como braços mecânicos, exoesqueletos... - é um grande avanço que permite uma maior qualidade de vida. Não há dúvidas quanto a isso".

Mercé Pérez Salanova, PhD em Psicologia e pesquisador do Instituto de Governo e Políticas Públicas da Universidade de Barcelona (Igop), explica que a presença de robôs no atendimento é uma verdadeira revolução, "uma mudança de época". Do seu ponto de vista, a inteligência artificial, juntamente com outras experiências, significa que a forma como pensamos em áreas como ambientes sociais, educacionais e de trabalho não é mais útil, porque a vida está sendo moldada de uma nova forma. "Por todas estas razões, os seres humanos enfrentam muitos desafios na adaptação à mudança e nós devemos "tomar conta dela", não ignorá-la ou ser passivos porque sem iniciativa não há aprendizagem e não há oportunidade de adaptação a estas grandes mudanças".

Este especialista aponta que é necessário falar muito sobre esta questão, "normalizá-la" para perder o medo e valorizar todos os pontos de vista. "Quanto mais ele for colocado no centro do debate público, melhores serão as condições para se adaptar a ele".

Este psicólogo entende que o cuidado humano deve atender a duas perspectivas: a instrumental e a relacional. "Não vale a pena ter um robô para me ajudar a sair da cama se, depois, eu não tiver atendido à minha faceta pessoal de afeto". Muitas pessoas mais velhas se deixariam ir se não fossem reconhecidas como pessoas e não se sentissem amadas. No entanto, tudo depende se o robô entra num lar por desejo ou por imposição, porque o primeiro vai gerar alegria e alívio na pessoa pela ajuda que ela quer, e no segundo caso, tristeza e desconfiança. Por todas estas razões, insisto na necessidade de falar muito sobre o assunto para incentivar a adaptação e torná-la tão benéfica quanto possível, conhecendo de antemão todos os pontos de vista".

Fonte: ABC

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