Os despejos são uma das violações mais extremas do direito à moradia, e estão mais do que instaladas na realidade social espanhola. Após a crise que eclodiu em Espanha em 2008, o risco de habitação começou a aumentar. Em Espanha, há gerações que nos diziam que o arrendamento era deitar fora dinheiro e que a propriedade era a única forma "decente" de viver (queremos um país de proprietários, não proletários, disse Arrese, esse ministro franquista que inverteu o sistema de posse de habitação em Espanha). Pareceu-nos que ser um dono era "seguro". Depois vimos que não era assim.
Em Espanha, tínhamos tudo o que precisávamos para que a crise fosse espectacular, e foi assim que aconteceu. O nosso mercado de trabalho dependia em grande medida da construção de habitações, que tinham estado a vender acima do seu preço real. Para tal contribuíram os bancos, que tinham concedido hipotecas acima da percentagem considerada "segura". A questão é que, mesmo com salários baixos e temporários, não foi muito difícil conseguir uma hipoteca. Vieram a ser dadas hipotecas "acorrentadas", em que uma casa com uma hipoteca podia garantir outra (sim, isto aconteceu) para que quando uma casa não podia pagar, parecia uma torre de cartas: depois de cair uma família caia outra.
Quando se começaram a vender menos casas, o desemprego também aumentou (já não se construía mais). O preço da vivenda baixou, mas ainda não era acessível a muitas famílias. Depois de ficarem desempregadas, muitas famílias foram forçadas a pagar por uma habitação que tinha um preço bem acima do seu preço real. Com a queda dos preços das casas, não conseguiam sequer pensar em vender essa casa e ir para uma mais barata. Isto foi enquadrado no declínio geral dos salários e demissões em massa, que se tornou a norma. As horas extraordinárias já não eram pagas. Os direitos trabalhistas foram contratados nos anos seguintes. Vá lá, uma festa em que a estrela convidada era a vulnerabilidade e a anfitriã... a casa.
A coisa mais grave da crise - para mim - foi que levou à normalização de situações impensáveis há alguns anos. Em termos de trabalho, em termos do que suportamos a nível individual (aquelas horas extras que já não eram pagas, por exemplo, porque tínhamos de juntar os ombros e estávamos todos no mesmo barco), mas também a nível social, como a redução de certos avanços sociais. Despedir-nos era mais barato. E isso aumentou o medo: num contexto em que não se contratava, além disso podiam despedir-nos mais facilmente. De antes já tínhamos contratos temporários, ou acumulávamos contratos que anulavam a antiguidade (lembro-me de encadear contratos para a mesma empresa com um dia de despedimento no meio).
Na situação residencial do país, introduziu-se uma nova realidade: despejos. Não, os despejos não eram novos como tal, mas o conceito instalou-se no nosso vocabulário. Se não vou dizer que se normalizou (normal nunca será) sim podemos dizer que se instalou no nosso entorno, direta ou indiretamente.
O número de despejos em Espanha atingiu o seu auge nos anos que se seguiram à crise, embora não houvesse números oficiais na altura e seja difícil ter dados fiáveis. A PAH estima que entre 2008 e o terceiro trimestre de 2012 houve 362.776 despejos, sendo 2011 o ano com os resultados mais negativos. Este é também o ano com maior incidência de desemprego. Além disso, se os despedimentos começaram em 2008, era de esperar que os dois anos de direito ao subsídio de desemprego tivessem terminado, dando origem a situações de terror que por vezes são minimizadas.
Este tipo de despejo fica claro no imaginário coletivo. Embora os dados não sejam acessíveis, sabemos que existem (dados e realidade). Há um não pagamento, um processo judicial, um resultado documentado. Falamos de despejo e pensamos nessa realidade.
No entanto, existem outras realidades que se escondem por trás de conceitos algo complicados, como o "assédio imobiliário" ou o blockbusting (que se definia como o ataque de um gangue para ocupar o território de outro), mas que levam ao mesmo resultado: a violação do direito à habitação. Como em outros tipos de assédio, no assédio imobiliário o objetivo é tratar mal uma pessoa, prejudicá-la, transformar o seu dia a dia num pequeno inferno, até que essa pessoa queira sair sem precisar ser "expulsa".
O assédio moral imobiliário não afetou (nem afeta) de acordo com critérios de idade: aqueles que o aplicaram não expulsaram as pessoas por serem mais velhas, mas porque queriam obter um maior benefício económico para a propriedade. Foi o que aconteceu quando a pessoa que ocupava essa habitação pagou uma renda antiga ou simplesmente o proprietário quis ter a propriedade para outros fins. Eles queriam expulsar essa pessoa da casa, mas legalmente não podiam, pois o inquilino não estava a incumprir o contrato.
Embora os idosos não estivessem explicitamente sujeitos a esta prática, eram mais vulneráveis. Em primeiro lugar, foram visados por uma questão de proporção: a antiga renda, regulamentada pela Lei de 1964 relativa aos arrendamentos urbanos, referia-se às rendas assinadas antes de 9 de Maio de 1985. Por razões de tempo, estes eram sobretudo lares de idosos. Provavelmente por esta razão, algumas suposições foram estabelecidas que as pessoas mais velhas "salvas" de serem legalmente expulsas. Mas aqui, novamente, veio o que às vezes chamamos de picaresco e que ainda é mau, que consistia em assediar o inquilino até que o inquilino saia ou era forçado a comprar o apartamento. Este foi o caso de duas senhoras que entrevistei. Não era um fenómeno que se pretendia, mas aconteceu em dois casos. No caso do primeiro deles, não houve assédio, apenas uma terminação dessa velha renda no pior momento possível: as duas pessoas (que ainda não tinham completado 65 anos por falta de meses) estavam desempregadas. A situação difícil terminou com o abandono da cidade (Madrid, que concentrou a maior parte destes antigos contratos de arrendamento com outras cidades) para outra comunidade autónoma, outro bairro, novos vizinhos e outra vida. O segundo caso é o de Assunção (não, não é seu nome verdadeiro), que tinha 71 anos quando isso lhe aconteceu, que foi chamado de despejo invisível e que não aparece nas estatísticas. Assunção tinha acabado de ficar viúva quando o seu senhorio lhe disse que ou pagava quase o dobro, ou tinha de sair de casa. As condições eram insondáveis e as razões apresentadas pelo senhorio eram claramente ilegais. Mas como Assunção, que nunca teve filhos, me disse: "Estou farta da minha tristeza, de perder o meu marido e de ficar sozinha, para lutar com aquele homem". Passaram-se alguns meses de luta, Assunção não aguentou mais e saiu. Quando a entrevistei, ainda sentia falta da sua casa, do seu bairro, dos seus vizinhos e até do padeiro na rua, mas teve que deixar tudo para trás.
Encerro o post de hoje com o segundo significado de despejo dado pela RAE: tirar a esperança de alguém de conseguir o que quer.